A RPV compartilha com você este projeto do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal.
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As Capelas da Reconciliação e o Centro de Escuta têm em comum o ato de acolher, mas têm propósitos diferentes, e quem chega procura acima de tudo paz e esperança
Na última década, o mundo contemporâneo sofreu alterações profundas do ponto de vista tecnológico, social e económico. Desde sempre, os costumes foram muito pautados pelas relações sociais e humanas. Mas numa época em que o virtual tem predominância, onde existe uma facilidade de comunicação nunca antes vista, a atenção ao outro pode não ter a primazia de outros tempos, sobretudo devido à velocidade que se impõe nas rotinas diárias, o que consequentemente leva a uma dissipação da nossa atenção, até nos atos mais primários.
O significado de ouvir remete ao sentido da audição, é aquilo que o ouvido capta, no entanto, o verbo escutar corresponde ao ato de ouvir com atenção. A palavra es·cu·tar tem origem no latim ausculto, que significa ‘tornar-se atento para ouvir’.
Apesar das palavras serem semelhantes no seu significado, a diferença é enorme. Ouvir é um processo natural do ser humano, contudo é possível ouvir sem prestar atenção. A escuta implica atenção, requer cuidado e tempo, é um ato físico, mas sobretudo emocional, porque ativa todos os sentidos. No último ano, o Santuário de Fátima tem preparado um Centro de Escuta, que irá funcionar como “um lugar para o acolhimento incondicional de quem sente a necessidade de contar a história da sua fragilidade pessoal e ser ouvido e ajudado com compaixão por pessoas competentes na arte de escutar e cuidar espiritualmente”, afirmou o padre Carlos Cabecinhas, quando deu a conhecer esta iniciativa aos órgãos de comunicação social, em novembro de 2021.
A Ir. Inês Vasconcelos, da congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima, foi assistente espiritual nos Hospitais da Universidade de Coimbra durante 15 anos, e considera que o ato da escuta “é saber ouvir com o coração, é nós silenciarmos as nossas ideias e preconceitos e acolher, e aqui em Fátima pode-se dizer que é mesmo ao jeito de Maria”.
Em 15 anos ao serviço dos doentes, “ouvi muitos medos, muitas mágoas, muitas ideias, e nesses momentos a melhor atitude é o silencio, é apertar a mão, é limpar as lagrimas e esperar que as pessoas falem, e dar tempo ao silencio, que muitas vezes é pesado”.
Esta religiosa, em entrevista ao jornal a Voz da Fátima, realça a importância da empatia, uma vez que “é impossível lidar com o sofrimento sem sermos tocados”. A Ir. Ir. Inês Vasconcelos integra a equipa em formação, que vai integrar o Centro de Escuta do Santuário de Fátima, e considera que um serviço destes em Fátima “é crucial, porque este lugar deixou de ser o lugar dos crentes e passou a ser um lugar de todos, para todos os que procuram paz, silencio e beleza até”. A todos os 32 membros que integram o Centro de Escuta do Santuário de Fátima, e que são provenientes de várias áreas de ação – Psicologia, Comunicação, Turismo, Ensino, Teologia, Medicina, Enfermagem, Direito – é pedido somente “que escutem de forma empática, sem pressa, de forma simples no acolhimento”.
É precisamente o verbo “acolher” que Luís e Sandra Pinto destacam da sua experiência de Fátima.
Este casal de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, atravessa um processo de luto pela perda de um filho, o Tiago, e foi “acolhido” em Fátima num retiro. O convite para partilharem a sua história num momento formativo do Centro de Escuta, foi recebido com alegria, sobretudo por terem conhecimento deste espaço cujo objetivo primordial é oferecer a quem chega muitas vezes marcado pela dor, pela dúvida existencial ou pelo sofrimento espiritual, um serviço em que poderá encontrar alguém que seja capaz de ajudar cada um a descobrir em si mesmo os recursos interiores que lhe permitam integrar e superar a situação que está a viver.
A incerteza do que iriam dizer, passou a conforto, quando começaram a contar todo o processo ao longo de dois anos. Para Sandra “continua a ser fundamental eu sentir que ainda posso falar, e não espero conselhos ou retorno, preciso simplesmente que alguém me oiça, porque há momentos em que nos apetece falar sem sentir julgamento e no meu caso traz me alguma paz e serenidade, poder falar e ser transparente naquilo que sinto”.
“Numa situação de luto, aquilo que acontece muitas vezes, mesmo hoje em dia, as pessoas evitam falar no assunto, porque há momentos que choro, e as pessoas pedem desculpa por tornar a falar no assunto, e isso muitas vezes acaba por ser desgastante, quase por ter de confortar as pessoas, muito por ser um assunto delicado”, explica ainda, considerando que “ninguém tem de pedir desculpa, está tudo bem em falar, mas com estas circunstâncias eu acabo por retrair-me, até para não incomodar”.
Nas conversas quotidianas, muitas vezes o feedback que chega, espelha alguma incompreensão, pois consideram que “já deveria estar numa outra fase do luto, uma vez que já passaram dois anos, porque acham que é uma coisa linear”.
No entanto, “há pessoas que me ouvem e que têm noção que há dias em que eu estou bem, outros dias em que só me apetece chorar, e essas pessoas são raras de encontrar”, e em todo o processo de luto, muitas vezes o desespero tomou parte, pois “quase que temos de pagar a um psicólogo só para me ouvir, só para ter alguém com quem falar, com uma postura neutra, mas nada como teres alguém que te escuta, que está presente, e esse é o ponto alto da escuta”.
“Eu não estou à espera de respostas, quem me escuta não tem de estar em ação de me dizer alguma coisa”, lembra, dando conta que “no acolhimento no Santuário, senti-me de facto escutada, sem ser julgada, sem me julgarem a mim ou ao meu filho”.
O falar de luto e da morte ainda é um tabu para muitas pessoas, inclusive dentro da família, ou do seu círculo mais próximo, muitas vezes por medo do julgamento, a pessoa em luto não fala do que sente, aumentando o seu sofrimento. A escuta tem uma grande importância no processo do luto, uma vez que faz memória da sua própria história.
A empatia no processo de escuta é fator essencial pois “é acolher as minhas palavras e aquilo que eu estou a sentir, porque podemos não ter vivenciado as mesmas coisas, mas as pessoas podem ser empáticas comigo no meu sofrimento”.
Para Luís, lembra que no seu processo de luto há uma fase antes de ser acolhido no Santuário, e uma fase pós ser acolhido no Santuário. O luto é um processo único e pessoal, “nessa altura de dor, estamos sós”, e mesmo com todo o amor e carinho que foram recebendo “o que é mais comum, é as pessoas tentarem animar-nos mesmo sem saber, e fazer ultrapassar esta fase, mas neste momento a dor é algo muito físico além do emocional, e eu sou egoísta, a minha dor é a maior”.
O momento da partilha com os elementos do Centro de Escuta foi um momento muito intenso, “ali ninguém nos tentou consolar, fomos escutados, passamos a ser uma pessoa só”.
“Aquele momento foi uma escuta de contemplação, as palavras de facto foram o menos importante, as palavras foram na verdade escassas, e senti-me tão bem”, recorda Luís emocionado.
“Na fase em que eu estava, foi a melhor coisa que me aconteceu”, reitera ainda, lembrando os diálogos e todo o processo com a esposa, Sandra.
O Centro de Escuta em processo, pretende ter como finalidade acolher empaticamente a todos, sem qualquer tipo de discriminação ou exclusão, preconceito ou juízo prévio, como um lugar de reparação do coração.
Este centro que agora surge, destina-se a todas as pessoas que estejam a atravessar um momento mais difícil, causado pela doença, solidão, medo, luto, angústia, ressentimento, dificuldades de aceitação pessoal, ou outras feridas e mágoas interiores, impossibilidade de perdoar a outros ou a si mesmo, conflitos ou roturas familiares, relações problemáticas com os outros, problemas laborais, crises de fé ou de inclusão eclesial, interrogações religiosas, ausência de sentido para a vida.
Para acolher quem chega, estarão ao serviço capelães do Santuário de Fátima, bem como alguns colaboradores profissionais e voluntários, que na sua missão vão ter em conta valores como a empatia, incondicionalidade, confidencialidade, liberdade, respeito, humanização, fraternidade, solicitude, compromisso e misericórdia.
Também para acolher quem chega, o Santuário de Fátima tem ao dispor as Capelas da Reconciliação, para todos os peregrinos, e ao qual chegam penitentes de todo o país e do estrangeiro, de todos os estratos sociais, idades e sensibilidades eclesiais.
As Capelas da Reconciliação e o Centro de Escuta têm em comum o ato de acolher, mas têm propósitos diferentes.
A Ir. Inês Vasconcelos explica que à Capela da Reconciliação “vai quem tem fé, quem pratica a religião católica na dinâmica sacramental, e no Centro de Escuta virão pessoas com fé, sem fé, pessoas até revoltadas contra a religião e a Igreja”.
O Pe. Ronaldo Araújo, é um dos Capelães do Santuário de Fátima e integra a equipa de confessores das Capelas da Reconciliação, mas também é membro do Centro de Escuta. É brasileiro, e está em Fátima desde 2019, e explica que praticamente todos os dias presta serviço nas Capelas da Reconciliação.
“Quem procura o sacramento da reconciliação são por norma pessoas que pretendem digamos um novo rumo, na medida em que querem direcionar as suas ações e as suas vidas mais para Deus e procuram este sacramento para ficar em paz consigo”, explica o Sacerdote.
Para quem chega “Fátima é encarado como um lugar onde cada um vem recarregar as suas forças, e para muitos o primeiro passo é largar aquilo que pesa, neste caso, algo que pese na consciência”.
“Mas há casos de pessoas que procuram a Capela da Reconciliação porque precisam falar, ou porque vivem sós ou porque realmente estão a atravessar um momento difícil, e muitas vezes quem rodeia estas pessoas não entende o sofrimento vivido, então daí a necessidade da escuta”, explica o Pe. Ronaldo Araujo, que conta ainda que numa confissão, “nós damos um seguimento mais prático, mas nestes casos não podemos ter pressa”.
É o caso de Odete Oliveira, que pelo menos duas vezes por ano vem à Cova da Iria. “Na minha paróquia, em Aldeia Nova, temos uma prática mais daquilo que muitos chamam a religiosidade popular, participamos nas festas, vamos à missa, mas para este ato da confissão, eu venho a Fátima”.
“A conversa que temos aqui, acaba por nos libertar, e nunca é somente a questão dos pecados, vai muito além disso, é muitas vezes pedir um conselho, é tantas vezes falar de algo que nos atormente, mas com a ideia de sair sempre na graça de Deus”, explica ainda.
“Eu falo muitas vezes com os meus filhos, com as minhas vizinhas, com tanta gente, mas há coisas no nosso íntimo que é difícil muitas vezes falar”, disse ainda, para realçar a importância da escuta.
José Fernandes, reside em Fátima, está aposentado, e é presença regular nas Capelas da Reconciliação. “Faz parte da minha vida, ir à missa, rezar o terço e vir à confissão”, conta.
“As coisas que digo ao sacerdote, são muitas vezes simples, mas não falo com mais ninguém, são coisas muito pessoais, por exemplo pensamentos”, explica José.
Paula Brum, é Psiquiatra e integra a equipa do Centro de Escuta do Santuário de Fátima, e considera a ação de escutar como “a arte do encontro”.
“A escuta não é um tema moderno, há dois mil anos Jesus fazia-o, sem pré-juízos, de forma incondicional e com o coração”, lembra.
A escuta “tornou-se um tema atual, pois vivemos com muito ruído, com muita solidão, e as comunidades atuais são pouco contentoras, e todos nós precisamos dessa fonte de vida, ser escutados”.
“Ser escutados é essencial na nossa vida, na nossa saúde mental, se bem que não gosto de separar o mental do físico, porque há muitas interconexões entre as duas, e precisamos de facto de quem nos ouça com o coração, sem críticas, que escute o nosso ‘não dito’, o ser frágil que somos”, reiterou a médica psiquiatra.
“Na psiquiatria estudam-se técnicas de escuta, mas quem vem a Fátima não são ‘doentes’, são sim pessoas peregrinas que trazem consigo angústias, aflições, zangas e tristezas, e estar na Cova da Iria, traz à tona tudo o que cada um traz consigo”, lembra, realçando a importância de um Centro de Escuta neste lugar.
Em dezembro de 2016, foi publicada uma Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa no Centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima, Fátima, Sinal de Esperança para o Nosso Tempo. Nesse documento os bispos enalteceram a “atenção que em Fátima se dá aos mais frágeis e vulneráveis – as crianças, os doentes, os idosos, as pessoas com deficiência, os migrantes – que neste lugar e na sua proposta espiritual encontram hospitalidade, cuidado, rumo e energia”.
Ainda no documento, refere que “a mensagem de Fátima mostra-nos uma experiência universal e permanente: o confronto entre o bem e o mal que continua no coração de cada pessoa, nas relações sociais, no campo da política e da economia, no interior de cada país e à escala internacional”.
“Cada um de nós é interpelado a corresponder ao chamamento de Deus, a combater o mal a partir do mais íntimo de si mesmo, a compreender o sentido da conversão e do sacrifício em favor dos outros, como fizeram os três pastorinhos, na sua pureza e inocência”, escreveram ainda os bispos.
Desde 1917, muitos foram e são aqueles que rumaram e rumam até à Cova da Iria em busca de paz, de respostas, de silencio. Mas há também que chegue a Fátima sem um propósito, sem saber porquê. O Santuário é muitas vezes ponto de chegada, mas é também ponto de partida, e seja pela reconciliação, seja pela escuta, seja por ambos, é um lugar de encontro, consigo, com os que rodeiam, mas é acima de tudo um lugar de esperança, através dos pequenos gestos que se exprimem tantas vezes no perdão e na escuta.
Na área da Galilé dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo encontram-se a Capela do Sagrado Coração de Jesus e a Capela do Imaculado Coração de Maria, inteiramente dedicadas à celebração do sacramento da Penitência. Têm, respetivamente, 16 e 12 confessionários. O Santuário de Fátima dispõe de confessores em língua alemã, croata, espanhola, francesa, holandesa, inglesa, italiana, polaca, portuguesa e ucraniana. As Capelas da Reconciliação situam-se no piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade e estão abertas, de segunda à sexta entre as 7h30 e as 13h00 e entre as 14h00 e as 19h30. Ao fim de semana as Capelas da Reconciliação funcionam de forma continuada entre as 7h30 e as 19h30.
A equipa do Centro de Escuta conta atualmente com 32 membros das áreas da Psicologia, Comunicação, Turismo, Ensino, Teologia, Medicina, Enfermagem e Direito. Para acolher quem chega, estarão ao serviço colaboradores profissionais e voluntários, que na sua missão vão ter em conta valores como a empatia, incondicionalidade, confidencialidade, liberdade, respeito, humanização, fraternidade, solicitude, compromisso e misericórdia.
O atendimento no Centro de Escuta necessita funcionará num espaço especificamente preparado para esta finalidade, proporcionando o acolhimento e a necessária privacidade, no Assim, piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade.
Fonte: https://www.fatima.pt/pt/news/quando-o-ato-de-escutar-abraca-quem-precisa-2023-03-16
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